Instituto Chico Mendes (ICMbio) e Incra estão preparando acordos para ceder parcelas de parques nacionais e reservas biológicas a comunidades reconhecidas como quilombolas pelo governo. Seis processos somam quase um milhão de hectares e devem receber parecer favorável da Advocacia-Geral da União, em dezembro.
Esboços de "termos de compromisso" obtidos por O Eco e relatos de fontes do órgão ambiental mostram que as comunidades poderão permanecer dentro de áreas que não deveriam aceitar moradores, inclusive realizando agricultura com corte e queima de vegetação. Os acordos, em contrapartida, restringem a derrubada de matas primárias ou em regeneração e a ampliação das construções ou atividades produtivas.
Alinhado com a política oficial da demarcação de terras com base em um decreto de 2003 que permite a autodeclaração de populações como quilombolas, o ICMBio comentou que cada processo será resolvido de forma diferente. Conforme Érica Pinto, da diretoria de Unidades de Conservação de Uso Sustentável e Populações Tradicionais, manter pessoas e atividades agrícolas dentro de áreas protegidas não é incompatível com a legislação e com a finalidade de um parque nacional, por exemplo.
"Estamos negociando sobre a legitimidade e tamanho da área pleiteada pelos quilombolas, buscando soluções adequadas para a conservação das áreas e respeitando os direitos e culturas das comunidades quilombolas. Isso não é incompatível", disse.
Segundo ela, a legislação federal reconheceria que essas comunidades podem seguir com suas atividades dentro de unidades de conservação até que sejam indenizadas ou reassentadas. "Se um parque foi criado em uma área que já era habitada, eles têm direito por lei de permanecer por lá até que sejam reassentadas ou indenizadas", comentou.
Tambor no Jaú
A comunidade do Tambor disputa 700 mil dos 2,3 milhões de hectares do Parque Nacional do Jaú (AM). Na Região Sul, a comunidade São Roque pleiteia nove mil hectares - 2.400 dentro dos parques nacionais dos Aparados da Serra (RS) e Serra Geral.
Ainda de acordo com Érica Pinto, o órgão ambiental vem realizando levantamentos sobre as áreas realmente usadas pelas populações dentro das unidades de conservação, para que o assentamento ocorra em parcelas possivelmente menores do que as pleiteadas.
No início de outubro, o ICMBio admitiu que pode abrir mão de outros três milhões de hectares em nove unidades de conservação. O motivo são disputas com posseiros, índios, fazendeiros e construção de hidrelétricas. Das nove áreas, sete devem encolher e duas podem ser compensadas com ampliações em outra região.
Uma das áreas disputadas é a Floresta Nacional do Bom Futuro, onde um acordo fechado entre Ministério do Meio Ambiente e governo de Rondônia pode encolher em 168 mil hectares (62%) aquela unidade de conservação. Outra é a Floresta Nacional de Roraima, que deve ceder 93,7% de seu território a índios ianomâmi.
Encaixe legal
Promotor de Justiça em Guajará-Mirim (RO), Pedro Abi-Eçab acompanha de perto a questão das sobreposições de terras entre populações tradicionais e unidades de conservação. Mesmo assim, não consegue entender o arranjo planejado pelo ICMBio.
Sua visão contraria a do governo quanto à manutenção de populações em parques nacionais e reservas biológicas. Segundo ele, a Constituição garante aos quilombolas apenas o direito de propriedade, não a posse permanente dos territórios, como no caso de indígenas.
"Populações quilombolas poderiam de imediato ser indenizadas e reassentadas fora das unidades de conservação, como prevê a lei. É inconstitucional prejudicar unidades de conservação para satisfazer interesses de grupos específicos", salientou.
Chefes de áreas protegidas com terras pleiteadas por comunidades autodeclaradas como quilombolas e ouvidos por O Eco disseram que "vão brigar" pela integridade de parques e reservas biológicas e lembraram que mudanças em seu tamanho dependem de aval do Congresso. Todavia, os ventos que sopram na casa nos últimos tempos não têm sido nada favoráveis a questões ambientais. Levar o caso ao parlamento pode ser um tiro pela culatra e resultar em mordida ainda maior nas unidades de conservação.
Julgamento e pacotão
Em março deste ano o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou que em casos de sobreposição entre terras indígenas e unidades de conservação, cabe aos órgãos ambientais controlar a gestão dessas áreas. A decisão foi provocada pela polêmica envolvendo a terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.
No STF também tramita uma ação direta de inconstitucionalidade, protocolada em junho de 2004 pelo partido Democratas. Ela questiona justamente o decreto de 2003 que regulamentou a ocupação de terras por remanescentes de comunidade quilombolas. O relator da matéria é o ministro Cezar Peluso. Não há previsão para julgamento.
Dia 30 de outubro, a comunidade de Chácara das Rosas, em Canoas (RS), região metropolitana de Porto Alegre, se tornará o primeiro quilombo urbano do Brasil. Em 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, o governo planeja assinar o repasse de terras para até 30 novas comunidades quilombolas, em todo o Brasil.
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