Conservação ao alcance das nuvens

O ECO - www.oeco.com.br - 04/12/2009
As montanhas mais altas da região Sudeste, que se elevam a mais de dois mil metros e fazem a alegria de visitantes mineiros, paulistas e cariocas nos meses de inverno, estão prestes a tornaram-se a mais nova área protegida brasileira: o Parque Nacional Altos da Mantiqueira. Os atributos naturais e paisagísticos da região, já há muito apreciada por quem procura luxo nas montanhas ou aventuras nas trilhas mais altas do país, dispensam comentários. Mas a intenção agora é tentar salvar o que resta da biodiversidade da fragmentada Mata Atlântica, numa faixa contínua de áreas em bom estado de conservação. Esta é a luta recente em favor do bioma mais devastado do país, que já perdeu quase 93% de sua área original.

O desenho proposto para o Parque Nacional Altos da Mantiqueira foi preciso e ousado. Arrebanhou mais de 87 mil hectares de Mata Atlântica entre São Paulo, Minas Gerais e um pedacinho do estado do Rio de Janeiro, no bioma que, aliás, não tem nem 2% dos seus remanescentes protegidos sob status integral, isto é, não admitindo impactos diretos. A região pleiteada já é englobada pela Área de Proteção Ambiental (APA) federal da Mantiqueira, que, entretanto, não tem instrumentos suficientes para garantir a conservação que as serras requerem. Só para comparar, os conhecidos parques nacionais do Itatiaia e Serra dos Órgãos têm 30 mil e 20 mil hectares, respectivamente.

Nesta semana, as discussões com a população local começam oficialmente com a realização de quatro consultas públicas. O novo parque nacional abarcará 16 municípios bem no meio da região mais densamente povoada do Brasil, o que tem inspirado aquela típica desconfiança sobre quem vai sair perdendo com desapropriações e restrições de acesso à área.

Apesar disso, segundo a proposta defendida pelo Instituto Chico Mendes (ICMBio), desta vez foram tomados cuidados especiais para incorporar áreas em bom estado de conservação ao desenho do parque, excluindo locais onde há residências fixas de moradores, com exceção dos casos de áreas essenciais para manter a integridade e a conectividade de remanescentes. Ainda de acordo com o órgão federal, foram excluídas as áreas de mineração atualmente licenciadas, assim como as de agricultura, silvicultura e pecuária.

Na verdade, em praticamente metade da área a ser protegida pelo parque já não se pode, hoje, mexer de acordo com a legislação ambiental brasileira. As áreas de preservação permanentes (APPs), como margens de rios, locais acima de 1.800 metros, declividade superior a 45, nascentes e topos de morro, somam 47% do desenho do Altos da Mantiqueira. A vegetação na região é 64% composta de florestas em estado avançado ou médio de conservação.

Mais benefícios que prejuízos

"A quantidade de moradores afetados pela nova unidade de conservação é pequena, principalmente se considerarmos que estamos numa região entre os maiores centros urbanos do país e o recorte para a área proposta possui uma relação perímetro-área muito desfavorável, de aproximadamente 600 quilômetros de borda", afirma Alexandre Lorenzetto, consultor da Aliança para a Mata Atlântica, que participa da elaboração da proposta do novo parque desde 2007.

Mas algumas das áreas que tiveram que ser incluídas são de plantações, a maioria de eucalipto, propulsor da economia local de algumas comunidades no entorno do futuro parque. "A retirada dos eucaliptos e a restauração destas áreas poderão gerar mais empregos do que o simples manejo gera atualmente. Sem considerar a vocação turística destas áreas e seu entorno ou ainda outras iniciativas muito interessantes, que já estão sendo exploradas por alguns proprietários, como o pagamento por serviços ambientais, por ser uma região rica em nascentes", explica o consultor.

Em duas reuniões prévias com os prefeitos dos 16 municípios envolvidos, as posições foram ambíguas. "A reunião feita em São Paulo demonstra que o apoio das prefeituras muitas vezes foi maior do que esperávamos. Em Cruzeiro (SP), a prefeitura cogitou a possibilidade de ceder uma grande infra-estrutura onde funcionava uma escola rural para ser a sede do futuro parque", exemplifica Lorenzetto. Outras estão estimulando o tumulto com a divulgação de contra-informações. "Estão dizendo coisas absurdas, como a necessidade de desapropriação imediata de moradores que se encontrarem na zona de amortecimento do parque (entorno da área)", cita o consultor.

Segundo relatos encaminhados para O Eco de um morador que assistiu à reunião pública promovida em Guaratinguetá (SP) no início de dezembro, o prefeito da cidade, Gilberto Fillipo expressou preocupação com os recursos dispensados às desapropriações, e estendeu seus questionamentos à fase posterior de criação do parque, ao querer saber quem será o responsável pela unidade, quem vai poder entrar e quem não vai.

O prefeito também prometeu montar uma comissão com políticos locais para ir à Brasília e às consultas públicas para exigir que o processo tramite com menos velocidade, alegando prejuízos aos municípios que abrigarão o parque nacional e, por conseqüência, assustando a população local sobre supostas restrições econômicas e diminuição na qualidade de vida. O prefeito Gilberto Fillipo foi procurado pela reportagem para comentar seu posicionamento em relação ao parque nacional, mas não retornou as ligações.

Necessidade de conservação

A sugestão de um parque nacional tão grande e importante para a Mata Atlântica nasceu e se desenvolveu graças ao esforço de diversas organizações da sociedade civil e de instituições públicas que se empenham desde 2006 na coleta de informações, em estudos de campo, e reuniões. No decorrer do processo, elas formaram voluntariamente a Força Tarefa Mantiqueira, liderada pelo Instituto Oikos de Agroecologia, de Lorena (SP) e supervisão do ICMBio, e tem como objetivo fornecer suporte técnico-científico, operacional e político na criação e implantação do Sistema de Áreas Protegidas para as Cristas da Serra da Mantiqueira.

Em ofício encaminhado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), a Secretaria de Meio Ambiente de São Paulo afirmou que fará tudo que estiver ao seu alcance para ajudar na implementação do Parque Nacional Altos da Mantiqueira, que chamou de magnífica unidade de conservação. Até a veiculação desta reportagem, a secretaria de meio ambiente paulista não esclareceu se o compromisso do estado de São Paulo envolve aporte financeiro para auxiliar no processo de desapropriações e indenizações, como chegou a ser mencionado em reuniões antes da entrega da proposta atual. O ICMBio também não respondeu quanto devem custar as indenizações para desapropriação do parque.

Quando for criado, o Parque Nacional Altos da Mantiqueira fará parte do mosaico de unidades de conservação da Serra da Mantiqueira, cujas extremidades são marcadas pelo Parque Nacional do Itatiaia (RJ) e os Parques Estaduais da Serra do Papagaio (MG) e Campos de Jordão (SP). Numa extensão de cerca de 100 quilômetros de cristas montanhosas, abarcará os picos de Marins e Itaguaré, o pico dos Três Estados e o ponto culminante da serra, a Pedra da Mina (2.798m), a quarta mais alta montanha do Brasil. Também vai salvaguardar o que restou da vegetação nativa entre o Vale do Paraíba e o sul mineiro, com campos de altitude, floresta ombrófila mista (matas com araucárias), floresta densa, pequenos brejos e áreas de tensão ecológica. Isso tudo sem mencionar a importância de se proteger em caráter integral nascentes que abastecem os rios que fornecem água para boa parte da população dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo.

Se os campos de altitude da Mantiqueira não se destacam pela variedade de plantas e animais como em outros ecossistemas brasileiros, tem relevância extrema pela existência de organismos que, mesmo em meio à histórica degradação do Sudeste, ainda estão sendo descobertos pela Ciência. Além disso, a região é cheia de endemismos. "Este é o caso do sapo flamenguinho, que era considerado restrito ao Itatiaia e foi encontrado na Pedra da Mina, além de peixes restritos a riachos montanos, mais sapinhos, várias borboletas, bromélias, etc", enumera o ornitólogo e colunista de O Eco, Fabio Olmos, que também ajudou nos estudos que resultaram na proposta do parque nacional. "Na vertente norte da Mantiqueira há florestas de araucária e podocarpus que são filiais da já detonada formação do sul do Brasil e onde ocorrem espécies ameaçadas como o papagaio-peito-roxo. Na vertente sul (do Vale do Paraíba) há um gradiente que vai de florestas nebulares (nas altitudes maiores) a florestas montanas, no estilo Mata Atlântica clássica com muito bambu, palmito e samambaiaçus. E, logicamente, pencas de espécies ameaçadas e endêmicas", diz o pesquisador.

Além de estar inserida numa área reconhecida internacionalmente como fundamental para a conservação de aves, ela serve como um importante corredor para grandes mamíferos, como a onça-pintada, assim como refúgio para primatas como os monocarvoeiros. "Uma lista de preciosidades deve seguir crescendo na medida em que a área for mais estudada, para tanto está mais do que na hora de receber um status de proteção digno de sua importância", diz o consultor Alexandre Lorenzetto.

Campanha: Apóie a criação do Parque Nacional Altos da Mantiqueira - Rede Pro-UC
http://www.redeprouc.org.br/site2009/mantiqueira3.asp
UC:Geral

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